segunda-feira, 29 de outubro de 2012

CARTOGRAFIA DA MEMÓRIA


Produzindo uma cartografia da memória-  Fernando da Silva Lembo
"Dias antes de completar 16 anos de idade, o comerciário Fernando da Silva Lembo morreu baleado pela PM do Rio de Janeiro. Ele foi uma dasinúmeras vítimas da repressão política exercida contra manifestações de protesto que ocorreram naquela cidade no dia 21/06/1968 A virulênciapolicial atingiu tal escala, nessa data, que ensejou a realização de uma gigantesca manifestação cinco dias depois, a hist
órica Passeata dos CemMil, quando a população do Rio tentou dar um basta à escalada repressiva das autoridades de segurança do regime militar. Atingindo na cabeça, Lembo foi levado para o Hospital Souza Aguiar. Lá, permaneceu em estado de coma e faleceu no dia 1º de julho. Olegista Alves de Menezes definiu como causa mortis: “ferida penetrante no crânio com destruição parcial do cérebro”. O benefício de indenização, segundo o relator, encontra “tutela jurídica no texto da Lei nº 10.875/04 que contempla todas as vítimas daviolência política, ainda que não fossem participantes ativos das manifestações de rua”. No requerimento encaminhado à CEMDP, a famíliade Lembo tomou como exemplo o processo de Edson Luiz, morto em condições muito semelhantes. O relator acolheu a petição “em homenagem à Lei mais favorável que entrou em vigor no ano de 2004, e que vem sendo invocada para fundamentar o direito em casos análogos”. O estudante morreu no Hospital Souza Aguiar. O boletim de informações fornecido pelo IML/RJ, documento indispensável para a remoçãodo cadáver, também informa que Lembo, ao ser internado naquele hospital, apresentava “ferida por projétil de arma de fogo com orifíciode entrada na região temporal. Projétil localizado na região occipital”. O relator afirma não haver dúvida de que Lembo morreu vítima da violência policial, o que também é comprovado por matéria jornalística anexada aos autos." Dossiê Memória e Verdade, COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
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Produzindo uma cartografia da memória - Edu Barreto Leite
"A morte do gaúcho Edu Barreto Leite – 3º sargento do Exército que trabalhava no serviço de Rádio do Ministério da Guerra – apenas 13 dias depois da deposição de João Goulart, foi anunciada pelas autoridades do novo regime como suicídio. Ele teria se atirado pela janela, pouco antes de agentes de segurança invadirem seu apartamento, na rua Frei Caneca, no Rio de Janeiro. Ao buscar maiores esclarec
imentos sobre o ocorrido, porém, seu irmão Danton Barreto Leite ouviu do zelador do prédio uma história diferente. O zelador escutou muitos disparos e ruídos de luta corporal dentro do apartamento, testemunhando que Edu foi jogado pela janela. Uma moradora do prédio em frente estava acordada, com a luz apagada, junto à janela, e repetiu exatamente a mesma versão. Danton Barreto Leite foi avisado da morte por um amigo de Edu, que leu a notícia na imprensa. Na mesma noite, ligou para o Exército atrás de informações. Como ninguém lhe prestasse qualquer esclarecimento, no dia seguinte seguiu de Porto Alegre para o Rio, chegando ao Ministério da Guerra somente depois do enterro. Os militares alegaram não ter avisado a família por desconhecer o endereço, o que é pouco plausível na disciplina tradicional do Exército. Danton foi levado a uma sala de reuniões onde os militares tentaram convencê-lo de que o irmão, “comunista e subversivo”, havia se suicidado, saltando do sétimo andar do prédio onde morava. Sentiu que se não concordasse com aquela versão seria detido, mas não ficou convencido. No dia 15 de abril, esteve no apartamento de Edu, lacrado pelo Exército, e conversou com algumas pessoas sem se identificar. Nessa ocasião, ouviu do zelador que cinco indivíduos esperavam Edu quando ele chegou à noite. Posteriormente, o Exército nomeou uma equipe para conduzir Danton ao apartamento. O local encontrava-se muito revirado e, segundo a noiva de Edu, também presente na ocasião, faltavam objetos pessoais e a máquina fotográfica. O que mais chamou a atenção do irmão foi a porta, com várias perfurações de bala, de fora para dentro, e nenhum vestígio de sangue. No Hospital Souza Aguiar, Danton foi informado de que Edu dera entrada vivo e com fraturas múltiplas no braço esquerdo e nas costelas. O laudo do legista Amadeu da Silva Sales não ajudou a esclarecer as circunstâncias da morte, determinando apenas que o óbito ocorreu em decorrência de “hematoma retro-peritonial ao nível de sigmóide, hematoma da parede vesical”. As autoridades militares abriram inquérito, mas o 5° Distrito Policial apenas registrou o ocorrido. Um documento de 29/07/1964, assinado pelo presidente em exercício do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Washington Vaz de Mello, relata que nos autos do IPM instaurado para apurar a responsabilidade de dois integrantes do Exército na morte de Edu havia evidências de que ele fora vítima de um acidente, não de um crime. No relatório para a CEMDP, a relatora observou que o depoimento de Hilton Paulo Cunha Portella, então comandante do Pelotão de Investigações Criminais do 1° Batalhão de Polícia do Exército, deixava clara a natureza política da morte: Edu era acusado de subversão por pertencer ao chamado “Grupo dos Onze”. Em outubro de 1996, a Comissão Especial decidiu que, na falta de perícia, fotos ou do laudo necroscópico de Edu, deveria buscar informações e documentação no Exército. A relatora solicitou, então, a devolução do processo, ao qual também foi anexada a íntegra do IPM. O inquérito não contém documentos importantes para uma avaliação segura dos fatos, como as informações relativas às suspeitas com relação a Edu e o laudo de perícia do local. Também não foram ouvidas as pessoas com outra versão dos fatos. A relatora deu parecer favorável ao enquadramento legal do caso, mas o processo foi indeferido por 5 a 2, foi acompanhada no voto vencido por Nilmário Miranda. Em 04/01/2005, depois de reaberto o prazo para apresentação de novos requerimentos, por força da nova Lei, a CEMDP recebeu de outro irmão de Edu, Jacob Barreto Leite, solicitação de reabertura do processo. Em nova apreciação, já à luz da Lei nº 10.875, que reconhecia a responsabilidade do Estado em casos de suicídio – mesmo quando em versões oficiais tão inconsistentes como a relativa a Edu Barreto Leite –, o processo foi então deferido por unanimidade, sendo que a relatora recomendou deixar registrada a necessidade de investigação pelo Estado brasileiro das reais circunstâncias dessa morte sob a responsabilidade do Exército." Dossiê Memória Verdade, COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

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